Partilha de bens em inventários extrajudiciais

Alcione Montani Ducceschi Fontes

A possibilidade de realizar inventários e partilhas de bens diretamente nos cartórios, sem a necessidade de intervenção judicial, tem se consolidado como uma importante ferramenta de desjudicialização no Brasil. Essa tendência se fortaleceu com o advento de normativas como o Provimento-TJMT/CGJ N.º 25/2022, de Mato Grosso, e a Resolução CNJ nº 35/2007 que regulamenta os procedimentos em âmbito nacional, alterada recentemente pela Resolução CNJ nº 571/2024. Ambas as normas garantem que, mesmo com herdeiros menores de idade, a partilha de bens possa ser realizada de forma extrajudicial, desde que observados os requisitos legais que asseguram a proteção dos direitos dos menores.

No Estado de Mato Grosso, essa possibilidade foi concretizada já no ano de 2022 com o Provimento-TJMT/CGJ N.º 25/2022, da lavra do Desembargador José Zuquim Nogueira. Esse provimento inovou ao estabelecer que, nos casos de inventário e partilha que envolvem menores de idade ou incapazes, a escritura pública pode ser lavrada no cartório, com necessidade de parecer de membro do Ministério Público e homologação judicial, porém, na esfera administrativa, quando o processo envolve interesses de herdeiros menores ou incapazes. A medida desburocratizou o procedimento, conferindo celeridade ao processo e promovendo um acesso mais rápido à justiça, sem prejudicar os direitos dos incapazes, promovendo maior agilidade, celeridade e economia para os cidadãos.

A Resolução CNJ nº 571/2024 trouxe muitas inovações importantes e normatizou a possibilidade de realização de inventários e partilhas extrajudiciais com incapazes para todo o Brasil. Entretanto, trouxe também uma exigência que pode representar um obstáculo à efetividade e praticidade do processo: a imposição de que a partilha seja realizada em partes ideais de cada um dos bens inventariados. Essa restrição, embora tenha o objetivo de proteger os direitos dos menores, na prática, pode limitar a autonomia dos herdeiros e comprometer a flexibilidade necessária para resolver questões familiares de forma eficiente.

Neste artigo, defendo que não há necessidade de obrigar que a partilha seja feita em partes ideais de cada bem, pois isso limita a liberdade dos herdeiros de escolher a forma de partilha que melhor atenda aos interesses de sua família, desde que a proteção dos menores e incapazes seja devidamente garantida tanto pelo Ministério Público quanto pela(o) Tabeliã(o) e Notas, que é profissional do direito dotado de fé pública e responde pelos atos que ele e seus prepostos praticam. A desnecessária imposição de que cada bem seja dividido em partes ideais, além de aumentar a complexidade do processo, pode acabar tornando a partilha mais difícil de ser implementada de maneira efetiva, sobretudo quando os herdeiros têm interesse na venda de bens, tornando obrigatória uma medida judicial para conquista de um alvará para venda ou, até mesmo, obrigando-se a realização do inventario na esfera judicial para conseguir uma partilha da forma que for mais atenda às necessidades da família envolvida.

  1. A Flexibilidade na Partilha: A Liberdade dos Herdeiros

Os herdeiros, como titulares de direitos sobre o espólio, devem ter a liberdade para escolher a forma mais adequada de partilhar os bens, levando em consideração as particularidades de sua família e os interesses de cada um. Isso significa que, ao invés de ser imposta uma divisão rígida dos bens, como exige a Resolução CNJ nº 571/2024, os herdeiros poderiam optar por soluções mais práticas, como a atribuição total de um bem a um herdeiro ou o depósito de valores em conta bancária para assegurar a parte do menor, claro que respeitando o quinhão do herdeiro, sem a necessidade de dividir cada bem de forma ideal, que obrigaria a permanência em condomínio.

Sabiamente o Provimento-TJMT/CGJ N.º 25/2022 não impõe restrição quanto a forma de partilha, o importante é que o quinhão do menor de idade fique resguardada.

  1. O Papel Fiscalizador do Ministério Público

O Ministério Público tem um papel essencial como fiscal da lei, sendo responsável por garantir que os direitos dos menores sejam respeitados em todo o processo. A atuação do Ministério Público já é prevista nas normas vigentes, que exigem que, nos casos envolvendo herdeiros menores, o órgão se manifeste sobre a forma de partilha proposta, assegurando que a parte do menor seja adequadamente preservada.

Portanto, não é necessário que a partilha envolva a divisão de cada bem em partes ideais, mas sim que o interesse do menor seja integralmente resguardado, de acordo com as normas legais e com o parecer do Ministério Público.

  1. A Efetividade da Partilha

Em Mato Grosso não há esta restrição, logo, a partilha pode ser realizada de forma mais flexível, desde que comprovada que a parte (quinhão) do incapaz, estará preservada em sua totalidade, seja pelo recebimento de um bem imóvel em sua totalidade.

Esta liberalidade é importante para dar efetividade à partilha, pois, se ao realizar o inventário os demais herdeiros tiverem que ficar obrigatoriamente em condomínio como o incapaz e para a venda necessitar de alvará judicial, não terá efetividade a partilha extrajudicial.

Há que se observar que ainda que a partilha não seja realizada em parte ideal em cada um dos bens inventariados e dependerá de manifestação favorável do ministério público, que tem o dever de zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis. Logo, não irá homologar uma partilha que seja prejudicial ao menor de idade.

Entendo que este excesso de cautela, neste caso, mais atrapalha que ajuda, pois travaria a liberdade de cada herdeiro capaz dispor como quiser de seu quinhão e consequentemente a economia do país.

  1. Considerações Finais

Em conclusão, a desjudicialização do inventário e da partilha deve ser um meio de tornar o processo mais rápido, flexível e adaptado à realidade de cada família.

É essencial que os herdeiros tenham a liberdade de escolha, dentro dos limites da lei, para determinar a forma que melhor atenda aos interesses da família. O Ministério Público, como fiscal da lei, garantirá a proteção dos direitos dos incapazes que estarão assistidos ou representados pelos seus tutores ou curadores.

O sistema de inventário extrajudicial precisa ser eficiente, prático e adaptável, respeitando os direitos dos incapazes sem criar obstáculos desnecessários. A liberdade dos herdeiros e a atuação responsável do Tabelião de Notas e do Ministério Público podem e devem caminhar juntas, garantindo que o processo de partilha seja realizado de maneira justa, eficaz.

Alcione Montani Ducceschi Fontes é Tabeliã de Notas e Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais em Mato Grosso.