Ivan Deus Ribas
O Estado Democrático de Direito possui bases teóricas muito antigas, desde pensadores como Sócrates, Platão e Aristóteles. No entanto, foi na idade média que muitos contribuíram para o surgimento de um novo Estado, como Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, dentre outros.
As mudanças ocorridas se processaram ao longo do tempo, tendo como grande influência Charles Montesquieu que atuou decisivamente para saída de um Estado Medieval Absolutista e o surgimento do Estado Liberal. Em sua obra O Espírito das Leis alude à defesa dos direitos individuais, destacando: “existem as leis da natureza, assim chamadas porque decorrem unicamente de nosso ser. Para conhecê-las bem é preciso considerar o homem antes do estabelecimento das sociedades”.
Assim, foi surgindo uma nova organização social. A Constituição Federal de um país representou também a adoção de direitos sociais e a administração tripartite do Poder, direitos e garantias mais humanos foram se sedimentando, como nos dizeres de Norberto Bobbio os direitos humanos não nascem todos de uma vez e nem de uma vez por todas. Para Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução. Dessa forma, o Estado passou a atuar dentro destes pilares.
Nessa esteira, igualmente, houve a necessidade de fortalecer um sistema jurídico e interpretativo do ordenamento. Temos no pós-positivismo, novo sentido a compreensão dos princípios, conforme ensinamento de Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, no artigo científico “O começo da história. A nova interpretação constitucional e o papel dos princípios no direito brasileiro” a ideia de uma nova interpretação constitucional liga-se ao desenvolvimento de algumas fórmulas originais de realização da vontade da Constituição.
Não importa em desprezo ou abandono do método clássico – o subjuntivo, fundado na aplicação de regras – nem dos elementos tradicionais da hermenêutica: gramatical, histórico, sistemático e teleológico. Ao contrário, continuam eles a desempenhar um papel relevante na busca de sentido das normas e na solução de casos concretos. Dessa forma, conclamam, por exemplo, ao uso da ponderação, como elemento para superar as limitações da subsunção, a fim de lidar com situações não imaginadas outrora, como a expansão dos princípios.
Ainda nos dizeres de Luís Roberto Barroso o emprego do termo princípio, pende-se a proeminência e à precedência desses mandamentos dirigidos ao intérprete, e não propriamente ao seu conteúdo, à sua estrutura ou à sua aplicação mediante ponderação. Os princípios instrumentais de interpretação constitucional constituem premissas conceituais, metodológicas ou finalísticas que devem anteceder, no processo intelectual do intérprete, a solução concreta da questão posta.
Dessa maneira, o princípio da vedação do retrocesso, é meio adequado para garantir que não haverá diminuição dos valores constitucionais que asseguram o direito ao acesso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Para Celso Antônio Pacheco Fiorillo, o artigo 225, da Constituição Federal de 1988, estabelece a existência jurídica de um bem, que se estrutura como de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, configurando nova realidade jurídica, disciplinando bem que não é público e nem, muito menos, particular.
Vale enfatizar, que na Carta Constitucional também figura o capítulo denominado Da Ordem Econômica, que aponta em direção aparentemente oposta ao da preservação dos recursos naturais, onde declara por meio do artigo 170, que esta se encontra “(…) fundada na valorização do trabalho (…), tendo por assegurar a todos existência digna (…)”, o que segundo Paulo de Bessa Antunes deve ser exercida com respeito ao meio ambiente. A concepção de desenvolvimento sustentado (sustentável) busca conciliar a conservação dos recursos naturais e o desenvolvimento econômico.
Dessa maneira, podemos considerar que o princípio da dignidade é fruto do atendimento aos valores de proteção aos bens ambientais conjuntamente com o desenvolvimento econômico, sendo este valor axiológico previsto no artigo 1º, III, da Constituição Federal, que nas palavras de José Afonso da Silva, traduziria a identidade de nossa Carta Maior, vejamos: “(…) representa uma constituição eminentemente ambientalista, assumindo o tratamento da matéria em termos amplos e modernos. Igualmente ainda, no âmbito internacional, decorre dos princípios 1 e 2 da Declaração de Estocolmo, proclamada em 1972 e reafirmada na Declaração do Rio, proferida na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio 92.
Por derradeiro, todos os Poderes devem se guiar através dos valores presentes em nosso ordenamento. No entanto, o Judiciário, nas questões que exigirem o emprego da proporcionalidade, a fim de aplacar os conflitos de interesse, em especial os que causem potencialmente dano ao meio ambiente, deve dosar os diversos princípios consagrados, para possibilitar o alcance do valor da dignidade em sua concretude. Assim, nas lições de Luís Afonso Heck, quando dois princípios colidem, o princípio de peso relativamente maior decide, sem que o princípio de peso relativamente menor, por isso, se torne inválido.
Ivan Deus Ribas é advogado e atua na área ambiental.