Fonte:jornaloestadodematogrosso
Vice-presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, a desembargadora Maria Helena Gargaglione Póvoas foi a única mulher, até o momento, a presidir a Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Mato Grosso, no período de 1993 a 1997, num momento grave do Judiciário, marcado por rebeliões nas penitenciárias, mas conduziu a Ordem com serenidade e deixou um legado marcante para a advocacia.
Ela é formada pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e pós-graduada em Direito Processual Civil pela Universidade de Cuiabá (Unic).
Há 14 anos Maria Helena foi indicada para a magistratura mato-grossense pelo quinto constitucional da OAB-MT. Já no TJ, atuou como presidente da 2ª Câmara Cível, presidente da 1ª Turma de Câmaras Cíveis Reunidas e Coordenadora de Supervisão dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais de Mato Grosso.
A desembargadora também foi vice-presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso (TRE-MT) no biênio 2013-2015 e, em seguida, presidente até 2017. Maria Helena também tem atuação no magistério, como professora licenciada da Unic, onde leciona Direito Civil, Processo Civil e Prática Forense.
O Estado de Mato Grosso – A senhora é oriunda da OAB-MT, indicada pelo Quinto Constitucional. Houve alguma discriminação por isso?
Maria Helena Póvoas – O quinto constitucional não é somente da Ordem dos Advogados, é também do Ministério Público. Percebemos que a magistratura mato-grossense não tem esse preconceito em relação às demais em outros estados brasileiros. Aqui tivemos nossos espaços no momento certo, sem nenhuma restrição. Foi assim com todos que me antecederam.
Há de se observar que não existe essa reserva com os oriundos da Ordem e do MP, mas sei de tribunais onde há sérias restrições, inclusive com vedação a cargos de direção. Mais absurdo ainda, vi um candidato à presidência da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) com a bandeira de combater o quinto constitucional nos tribunais. Isso é a visão da magistratura de carreira, da Ordem e do MP. Eles compõem a engrenagem do Judiciário.
OEMT – Qual avaliação que a senhora faz da atual relação entre o Tribunal e a Ordem em todo o país?
MHP – Dos 14 anos que tenho no Tribunal, posso afiançar que o Tribunal cresceu e amadureceu muito. Também posso dizer de cátedra, porque estive cinco anos à frente da OAB, presidindo uma classe que, em tese, teria interesses conflitantes com o Tribunal, que os advogados amadureceram. Na verdade, somos todos frutos da mesma árvore e conseguimos entender isso. No meu tempo de advogada, tínhamos muita dificuldade para dialogar. Hoje vemos o presidente do TJ atravessar a rua e ir muito à Ordem, e vice-versa.
OEMT – O TJ de Mato Grosso está aberto às causas da advocacia?
MHP – Outrora já tivemos embates e turbulências com o Tribunal por questões de interesse da classe dos advogados, que são as prerrogativas, custos judiciais dos advogados das partes, enfim… mas me alegra muito de ver que ao longo dos tempos o TJ e a OAB-MT amadureceram e dialogam sem o distanciamento de antes. É uma conversa franca, que me deixa muito tranquila com a minha classe, que também avançou e o TJ também.
OEMT – Especificamente à vice-presidência, quais os avanços que a senhora promoveu para o TJ e a sociedade?
MHP – Ficou muito tranquila e de certa forma satisfeita de ver que encurtamos o tempo de espera dos processos que estão na vice-presidência aguardando juízo de admissibilidade, ou seja, aqueles que vão subir para o Tribunal Superior. Então, me envaideço de ter conseguido isso e hoje trabalhamos com curto espaço de tempo. Às vezes, quando o advogado chega aqui para fazer a sustentação de suas causas, já apreciamos.
OEMT – Como estão os trabalhos da Comissão de Cuidado de Gênero, que a senhora também preside no TJ?
MHP – Estamos trabalhando para minimizar os degraus, as distâncias, até mesmo dentro do Judiciário, entre os gêneros em cargos ocupados pelos homens e por mulheres. Temos vários grupos de estudos e fizemos um ‘raio-X’ do Judiciário para sabermos a proporcionalidade dos cargos ocupados no Tribunal. Nem sempre há o equilíbrio da igualdade, mas posso me orgulhar de dizer que o Tribunal de Mato Grosso está na frente dos demais na possibilidade de prestigiar as mulheres com melhores condições de trabalho.
OEMT- Recentemente o STF debateu sobre a prisão de condenados em 2ª instância. Como a senhora avalia essa possibilidade?
MHP – Ainda estamos num julgamento sem finalização. Tudo pode acontecer até a conclusão dos julgamentos, e também sedimentar o que já estava acontecendo, que era prisão após o segundo grau de jurisdição, como pode também acontecer de seguir ao pé da letra sem maleabilidade própria do Direito. Mas torcemos como expectadores e cidadãos. Eu faço minhas as palavras do ministro Luiz Fux, que não consegue compreender que depois do cidadão ter passado por duas esferas de investigação, ter sido condenado no primeiro grau e no segundo grau, e ainda pode chegar ao Supremo como possível inocente.
OEMT – Na sua observação, o Tribunal e a Imprensa fazem uma ponte com a sociedade brasileira?
MHP – A Imprensa faz essa ponte entre o Judiciário e a sociedade, o que é fundamental, porque os Poderes Constituídos devem satisfação para a sociedade, querendo ou não. Nós temos limitações de informações de processos sigilosos, mas a transparência do Judiciário atual tem grande diferença de tempos atrás. Há trinta anos, víamos uma situação, mas hoje as noticias do Tribunal nos veículos de comunicação de hoje, vemos um Tribunal transparente. Abrimos a caixa preta e devemos muito disso à Imprensa, ela é a nossa grande parceira.
OEMT – A Justiça tem conseguido atender as camadas menos favorecidas? Aumentou a credibilidade da Justiça na sociedade?
MHP – A Justiça não é o órgão que faz as leis. Este papel é, constitucionalmente, atribuído ao Legislativo. O Judiciário é apenas o que aplica o Direito, ou seja, quem precisa bate às portas do Judiciário invocando uma lei pré-existente, obviamente pedindo a proteção dela. Ao Judiciário cabe mostrar se alguém se enquadra a suposto direito que foi arguido. Às vezes surgem algumas injustiças, mas o Judiciário não pode legislar e nem inovar, embora se vê que o Supremo, quando o legislador não cumpre com seu papel, é obrigado a fazer para não deixar a sociedade à deriva do órgão legislador.