Trabalho como docente é pouco atrativo tanto pela baixa remuneração, quanto pela falta de planos de carreira; amor pela profissão, porém, ajuda a superar as dificuldades
“Eu me vejo como professor, igual aos meus, na correria, rodando para lá e para cá, entrando em uma sala e na outra”, revela Lucas dos Anjos Castro, 16 anos, que é estudante do 2º ano do ensino médio na Escola Estadual Professor Botelho Reis, em Leopoldina, Minas Gerais. O objetivo de Lucas, porém, é muito diferente do da maioria dos estudantes brasileiros que, nesse dia dos professores, admiram os profissionais, mas não sonham com a profissão.
“Meu sonho mesmo é dar aula para o ensino médio, pode ser em escola estadual, municipal ou particular”, continua o jovem, que tem um sonho raro. De acordo com levantamento feito pelo Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede), com base nos dados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2015, apenas 3,3% dos estudantes brasileiros de 15 anos querem comemorar um futuro dia dos professores como um docente.
Além disso, ainda segundo os dados, quando se trata daqueles que querem ser professores em escolas, na educação básica, esse percentual cai para 2,4%.
“Quando eu contei para a minha mãe, ela me disse: ‘você pode ganhar mal, como será o seu futuro?’ Eu falei que queria e que se eu não trabalhar no que quero, não vou ser feliz”, afirmou Lucas.
Um dos professores que influenciou a decisão do estudante foi João Paulo de Araújo que, além de lecionar história na Escola Estadual Professor Botelho Reis, trabalha também na Escola Estadual Doutor Pompilio Guimarães e no Colégio Equipe, que é particular.
Araújo conta que a censura da sociedade influencia na escolha dos estudantes. “Acho que no primeiro momento, os alunos não escolhem porque a própria família recrimina, a sociedade julga muito. Eu tenho buscado ser um professor melhor, que inspire, que mostre que a profissão é tão boa quanto qualquer outra, que tem desafio como qualquer outra”, diz.
Ele foi um dos vencedores do prêmio Educador Nota 10, em 2013 e isso o coloca como um exemplo para muitos estudantes. “É a forma que posso retribuir tudo que educação fez por mim. Venho de família humilde. Meu pai é ex-presidiário e minha mãe era doméstica. A oportunidade que eu tive foi graças à educação”.
Melhores alunos não querem comemorar o dia dos professores como docentes
De acordo com o estudo do Iede, porém, a carreira docente não atrai os alunos que possuem melhor desempenho no Pisa. A avaliação internacional da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é aplicada a estudantes de 15 anos que fazem provas de leitura, matemática e ciências.
Entre os 70 países e regiões avaliados, o Brasil ficou na 63ª posição em ciências, 59ª em leitura e 65ª em matemática. Os estudantes que disseram que pretendem ser professores obtiveram 18,6 pontos a menos da média do País em matemática, 20,1 pontos a menos em ciências e 18,5 a menos em leitura.
Além disso, dentre os países participantes do Pisa, a Alemanha é o que apresenta a maior diferença entre a nota dos alunos que esperam ser professores e a média geral do país. Aqueles que querem seguir a carreira docente obtiveram 42,9 pontos a mais em matemática, 52,5 em ciências e 59,1 em leitura.
Os países com os maiores percentuais de estudantes que querem ser professores são Argélia, onde 21,7% dos estudantes querem ser professores, e Kosovo, onde esse percentual chega a 18,3%. Nesses países, no entanto, o desempenho desses alunos não é bom, “mas é muito similar ao desempenho geral dos estudantes do país, que é baixo”, diz o estudo.
Coreia e a Irlanda estão também entre os países com os maiores percentuais, respectivamente 13,8 e 12,6%. Ao contrário da Argélia e Kosovo, o desempenho dos alunos é bom, chegando, na Coreia, a ser superior à média nacional.
“O que o dado brasileiro revela é o fato que a ocupação de professor está com problemas de atratividade. As pessoas que têm notas mais altas escolhem outras profissões”, diz o professor de economia da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fábio Waltenberg, um dos autores de um estudo chamado Ser ou não ser professor da Educação Básica? .
Todo mundo comemora o dia dos professores, mas carreira é pouco atrativa
Segundo o diretor do Iede, Ernesto Martins Faria, três aspectos contribuiriam para a atratividade da profissão docente : “Planos de carreira para professores e educadores, ações específicas de valorização, que geram estímulo e permanência, e coesão escolar. O funcionamento da escola tem a ver com visão consistente, semelhante de gestor, coordenador pedagógico e educadores”, diz.
De acordo com ele, o fato de os professores serem muitos e estarem ligados a estados e municípios, muitas vezes com orçamentos restritos, dificulta sobretudo a existência de planos de carreira atrativos. “Estamos falando da carreira de 2 milhões de professores, [não apenas o Brasil], o mundo sofre para oferecer uma carreira atrativa “.
Mesmo assim, a estudantes de licenciatura em Ciências Sociais Aniely Silva, 20 anos, persiste no sonho de ser professora de ensino médio. Segundo ela, a vontade cresceu depois das ocupações de escolas em São Paulo, a chamada “Primavera estudantil”, de 2015.
“Durante as ocupações das escolas, percebi o quanto de informação não chega para nós, que somos de periferia e de escola pública. Queria conseguir levar informação para as pessoas. Quando a informação chega como conhecimento, muda a realidade das pessoas, como mudou a minha”, diz ela.
“Não escolhi a profissão pelo salário e não me desmotiva. Quero estudar muito para ser muito boa no que eu faço e lutar para melhorar a educação, por mais investimento e valorização dos professores”, diz ela – que um dia deve ganhar um parabéns em pleno dia dos professores .
Fonte: Último Segundo – *Com informações e reportagem da Agência Brasil