Naquela mesa, de 10 lugares

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Quando fecho os olhos, busco o aroma, o som das gargalhadas, as conversas carregadas de amor, conselhos, união, compartilhadas naquela mesa da nossa família. A emoção toma conta do meu coração, algo indescritível. O que uma mesa, de 10 lugares, é capaz de fazer? É capaz de mostrar caminhos, fortalecer a fé, a esperança, é capaz de transformar vidas.

Na nossa mesa, de dez lugares, minha avó, a professora Maria de Figueiredo Nunes, recebia filhos, netos, bisnetos, noras, genros, numa comunhão de carinho, de respeito. Dez lugares onde cabiam os sonhos de um futuro melhor. A união, através das tradições mais fortes, como a importância da família, até às comidas, um verdadeiro banquete, preparado cuidadosamente pela minha querida avó.

Sinto falta e sei que tenho a sorte de dizer isso, de ter sido criada num ambiente carregado de amor, de união.
Aquela mesa foi para mim o que muitos não têm.

Os encontros, todas as sextas-feiras, eram sagrados. A culinária cuiabana era a especialidade. Consigo sentir o aroma do peixe frito, ainda lembro do sabor daquele peixe assado, do ensopado, sem falar, é claro, da nossa sobremesa, a tradicional rapadura de leite de Poconé.

No fim da tarde, era minha mãe, Marilene Almeida, que nos alegrava com o bolo de queijo frito, sem esquecer-se do chá de capim cidreira, o verdadeiro aroma da tranquilidade.

Tudo de dar água na boca, como todas as comidas das avós.

E foi ali, que a tradição foi sendo repassada para os mais novos. Minha mãe seguiu os passos da minha avó e hoje consegue oferecer para outras famílias os pratos deliciosos que preparava com nossa matriarca e com aqueles mais “chegados” à cozinha.

Foi ali que também desenvolvi o meu amor pela culinária.

E é assim, na lembrança daquela mesa, na saudade da minha avó, que nos deixou há quase 19 anos, que posso afirmar que as refeições em família são indispensáveis para a nossa formação.

Diversos estudos mostram que esses almoços em família trazem diversos benefícios, que vão desde desenvolver habilidades sociais, criar o sentimento de segurança no núcleo familiar, manter uma alimentação mais saudável que, por consequência, implica em benefícios à saúde, reduzindo até o risco de obesidade.

Um projeto da Universidade Harvard, por exemplo, apontou até mesmo benefícios acadêmicos e emocionais às crianças que realizam refeições com suas famílias. São os laços criados. A responsabilidade, a conversa, o afeto.

Mas hoje, na correria do dia a dia, nas inúmeras tarefas, compromissos, que até os mais pequenos já têm, as famílias deixaram de dar valor a estes momentos. Almoços, jantares, praticamente não fazem parte da rotina das famílias. Poucos se sentam à mesa ou se fazem, é na correria.

Os adultos levam à mesa os problemas. As crianças levam à mesa seus celulares, tablets. As conversas são reduzidas a praticamente nada. E os valores vão se perdendo.

Volta a afirmar que aquela mesa era como um berço onde depositamos amor, carinho, afeto, sonhos e segurança.

Minha avó foi, realmente, uma mulher muita sábia, que edificou sua família e nos deixou memórias afetivas inesquecíveis. Naquela mesa, de 10 lugares.

Kaene Almeida é gastróloga em Cuiabá

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