O investigado não é obrigado a fornecer senha de celular

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Questão muito frequente quando são deflagradas operações policiais e quando do seu cumprimento é a autoridade policial solicitar, no momento da apreensão, a senha do celular do investigado.

Essa “solicitação” em um ambiente de cumprimento de mandado, de vários policiais na residência ou trabalho do investigado, ainda sem a chegada do advogado, acaba sendo uma equação perfeita para, na prática, o investigado acabar se sentindo constrangido a fornecer a senha do aparelho.

Também não é incomum, o juízo que decretou a busca ou a autoridade policial que preside a investigação intimar o investigado a fornecer sua senha para acesso a dados de seu celular.

Mas o investigado, é de fato, obrigado a fornecer a senha do seu celular? E se a senha não for franqueada na ocasião, ele pode depois ser intimado pelo juízo que autorizou a busca ou pela autoridade policial a fornecer sua senha para que acessem o conteúdo de seu aparelho?

Em que pese as indagações acima, que são frequentes entre os investigados, até por força do princípio nemo tenetur se detegere, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo.

Essa garantia decorre da própria disposição do artigo 5º, LXIII  da Carta Política de 88 que possui uma abrangência bem maior, englobando não só o direito ao silencio, mas o direito a não autoincriminação, seja para investigados presos ou soltos.

Se não bastasse a proteção constitucional de não produzir prova contra si mesmo, esse direito também é garantia judicial internacional, com fulcro no art. 8º, §2º, alínea g´, do Pacto de San José da Costa Rica que consagra o direito que toda pessoa tem de “não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada” .

Trocando em miúdos, nenhum cidadão é obrigado a confessar crime de que seja acusado ou fornecer “gratuitamente” informações que possam vir a dar causa a um processo penal contra si. Isso significa dizer, que no sistema acusatório, o ônus da prova sempre será da acusação, que terá a tarefa sempre de tentar afastar a presunção de inocência do acusado, sem que para isso tenha que contar com qualquer ajuda de sua parte.

Com efeito, o direito a não auto- incriminação, não se confessar culpado, bem como o direito de permanecer calado nada mais são do que expressões vivas abrangidas pelo princípio nemo tenetur se detegere.

Portanto, como já afirmou o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, do HC 192.380, “Anote-se, ainda, que a negativa por parte do paciente de fornecer a senha dos seus aparelhos eletrônicos apreendidos não caracteriza justificativa idônea a justificar a temporária, pois, diante do princípio nemo tenetur se detegere, não pode o investigado ser compelido a fornecer suposta prova capaz de levar à caracterização de sua culpa”

Por sua vez, na linha de intelecção da 6ª Turma do STJ, no HC 580.664, foi firmado o entendimento de que apesar da intimação para apresentar a senha não ser ilegal, o investigado ou acusado não é obrigado a apresentá-la, e não pode ser penalizado ou sofrer consequências pela recusa.

Na ocasião do julgamento, o Ministro Rogerio Schietti foi cirúrgico: “O que me parece ilegal seria extrair alguma consequência negativa da recusa do investigado em fornecer a senha. O ônus é do estado. O réu não é obrigado a colaborar para sua própria incriminação”

Logo, ninguém pode ser compelido no momento da busca a fornecer a senha de seus aparelhos eletrônicos e caso seja intimado a posteriori, malgrado a intimação não seja ilegal, como já assentou o STJ, o investigado ou acusado não é obrigado a apresentar a senha, não podendo jamais em nenhuma das negativas sofrer quaisquer consequências pela recusa, por força do princípio nemo tenetur se detegere.

Viviane Melo, é especialista em direito público, especialista em direito eleitoral, pós-graduanda em processo penal e advogada do escritório Valber Melo Advogados Associados. 

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