Precisamos falar sobre o Brasil que não come

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Bruna Nunes

Em 2010, após diversas lutas sociais e intensa mobilização da sociedade civil organizada,  a alimentação passou a compor o rol de direitos sociais da Constituição Federal, por  meio da Emenda Constitucional 64. Apesar de parecer simples, esta conquista de ter a comida como direito na nossa Carta Magna, abriu caminho para que essa pauta se tornasse prioridade e ganhasse espaço na agenda política. 

Desde então, tivemos várias vitórias acumuladas graças a força e a união da sociedade em conjunto com as esferas federais, por meio da participação popular e do controle social tão bem exercidos pelo Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), que defendeu o fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e  Nutricional (SISAN) e o investimento em programas e ações de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), como o Bolsa  Família, Alimentação Escolar, a aquisição de alimentos e equipamentos públicos para viabilizar este acesso e qualidade, como a criação dos restaurantes populares e bancos de alimentos, entre outras iniciativas. 

Em 2015, o Brasil comemorou a sua saída do Mapa da Fome da ONU. A luta não estava acabada, mas algumas batalhas haviam sido, enfim, vencidas. A partir de 2016, os  brasileiros testemunharam o desmonte das políticas públicas e o enfraquecimento dos espaços legitimados para participação popular e controle social. Em 2019, o governo  mostrou suas intenções políticas, quando extinguiu o CONSEA e ignorou completamente  o problema da fome, e óbvio que uma hora ou outra as consequências desta atitude chegariam.  Eis que logo no ano seguinte, 2020, ela chegou!  

Por conta da pandemia da Covid-19, inúmeros problemas sociais vieram à tona, e um deles foi justamente a alimentação. Isso foi exposto em vários nichos, entre os principais as altas taxas de desemprego e inflação que elevaram o preço dos alimentos básicos à mesa do brasileiro, como o arroz, óleo, frango, carne bovina, café, entre outros, ocasionando um grande empobrecimento populacional e, consequentemente, alimentar. Passamos, então, com  tristeza, a ver a prevalência da insegurança alimentar e nutricional aumentar (InSAN).  

Tal situação está sendo tão notória no mundo, que tristemente o Brasil é um dos mais notados. Exemplo disso foi a publicação de um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), sobre o estado da insegurança alimentar e nutricional no mundo, que trouxe a primeira avaliação global sobre os indicadores de SAN desde o início da pandemia. 

O resultado demonstrou que bilhões de pessoas passam fome no mundo e que os níveis leves e moderados de InSAN também estão presentes. Na América Latina e no Caribe, os números chegam a 60 bilhões. Além disso, indicadores como crescimento infantil e sobrepeso, e obesidade entre adultos também apresentaram alterações, evidenciando a necessidade urgente de mudanças. 

O documento traz algumas sugestões de ações que podem ser feitas para o enfrentamento da situação. Uma delas é a transformação dos sistemas alimentares, que afetam diretamente a saúde humana e do meio ambiente. Pensando em alternativas que nós, enquanto sociedade, podemos adotar e participar ativamente, destacam-se as Comunidades que Sustentam a Agricultura (CSA) e as Comunidades Agroecológicas do Bem Viver, que são iniciativas sociais que, com diferentes propostas, promovem o consumo de alimentos orgânicos ou agroecológicos a partir da entrega de cestas nas casas de seus coagricultores e coagricultoras, que são coparticipantes no processo de planejar, plantar e colher comida de verdade, sem agrotóxicos e que respeitam o meio ambiente.

Portanto, não é tempo de desistir e deixar de acreditar. É tempo de criar esperanças e seguir na luta e defesa do direito à alimentação adequada e saudável para todos, por um finalidade em comum e de grande urgência: um Brasil que volte a comer e deixe de passar fome.

Bruna Nunes, Nutricionista e Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Estácio

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