Projeto da Lei Aldir Blanc catalogará e digitalizará obras da artista plástica Dalva de Barros
Foto: Nicolas Behr/Texto: Luzo Reis
Uma das maiores, mais produtivas, celebradas e queridas artistas de Mato Grosso está sendo tema de um projeto aprovado pela Lei Aldir Blanc, na conexão Mestres da Cultura. “Sempre Dalva” é o nome do projeto que está catalogando, fotografando e digitalizando obras de Dalva de Barros. Para isso, a produção está prospectando colecionadores de seus quadros e desenhos. Se você é um deles, entre em contato pelo e-mail [email protected] ou pelo whatsapp 65 992569256.
Dalva Maria de Barros é mais do que uma pintora. Nascida em Cuiabá. É, ainda hoje, no alto de seus 86 anos, uma animadora das artes. Foi mestra de toda uma geração de artistas mato-grossenses. Inúmeras vezes premiada, iniciou nas artes plásticas em 1960, em Diamantino, quase que de forma autodidata, por meio de um curso a distância. Dois anos depois, aprimorou sua técnica na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo, e se tornou uma artista muito ativa. Quatro anos depois, ganhou um prêmio na memorável Primeira Exposição de Pintura dos Artistas Mato-grossenses, em 1966, em Campo Grande/MS.
Foi a partir daí que sua arte passou a ser reconhecida e Dalva foi se consolidando como uma artista plástica respeitada, arrebanhando prêmios e prestígios à medida que participava de inúmeras exposições coletivas e individuais em Mato Grosso e em vários estados brasileiros, especialmente Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
Por sua importância nas artes plásticas de Mato Grosso, Dalva de Barros recebeu em 27 de outubro de 2004, da Assembleia Legislativa de Mato Grosso, talvez a maior homenagem: essa data, em que também se comemora seu nascimento, ficou estabelecida, por meio de lei estadual, como o Dia do Artista Plástico Mato-Grossense.
Fã incondicional de Dalva
Diana Torres Esgaib é uma das colecionadoras das obras de Dalva de Barros que abriu acesso ao seu acervo. Empresária aposentada, Diana, hoje dividindo residência entre São Paulo e Cuiabá, foi proprietária de uma loja de decoração na capital mato-grossense. E, a partir desse empreendimento, começou a manter contato com Dalva e outros artistas plásticos.
“Sou uma fã incondicional de Dalva e admiradora de todos os artistas mato-grossenses. Acompanhei essa rapaziada toda desde o começo de 1980, frequentava os ateliês, fiz amizade com todos dessa época, e a Dalva era muito especial para mim. Sou admiradora da Dalva e acho esse resgate das obras dela, esse projeto da Dalva, um trabalho maravilhoso. Fico feliz”, disse Diana Esgaib.
Diana possui 17 obras de Dalva de Barros. Hoje, ela diz lamentar não ter adquirido mais, pois sempre que se deparava com um quadro de sua artista plástica predileta, queria que suas amigas também adquirissem. “Estimulei várias amigas a comprarem os quadros da Dalva. Me encanta a pureza e delicadeza de suas obras. Incentivei muita gente a valorizar suas obras e a de outros artistas”, recorda Diana.
Professora das artes mato-grossenses
O empresário Ronaldo Rodrigues é admirador de Dalva de Barros desde que, há 34 anos, vindo de São Paulo, se estabeleceu em Cuiabá com sua Casa das Molduras, na rua 24 de outubro. “A paixão pelas obras da Dalva começou ao receber suas pinturas para serem emolduradas. Isso me despertou sobre seu trabalho e a conheci no Ateliê Livre da UFMT. A partir de então fui adquirindo as obras dela”, conta Ronaldo.
“Minha paixão por Dalva é uma coisa espetacular. Tenho 55 anos: quando eu nasci, ela já estava produzindo. Eu acho isso uma coisa espetacular!”, exclama Ronaldo. Ele possui 12 obras da Dalva de Barros. “Eu acho importante essa homenagem. Dalva é a professora das artes mato-grossenses. Por isso estou apoiando essa ótima ideia, pois ela é a pioneira, a professora de todos”, acrescentou.
Encanto com as cores, os traços e a leveza
O primeiro contato do advogado Murillo Espinola com as obras de Dalva de Barros foi justamente na Casa das Molduras. “Eu cheguei em Mato Grosso no final do ano 1986, no interior do Estado, em Tangará da Serra. No início de 1988, vim para Cuiabá, foi quando comecei a me interessar pelas artes do nosso Estado. O primeiro contato foi no antigo espaço cultural do então Restaurante Regionalíssimo, no Bairro do Porto. Ali, comecei a pesquisar e ter contato com a obra da Dalva de Barros, mas com os trabalhos propriamente ditos foi na Casa das Molduras, importante espaço que temos em nossa Capital, local de fomento, onde os artistas deixam suas obras para comercialização. Foi lá que adquiri meu primeiro trabalho. Uma paisagem da Salgadeira”, recorda Murillo.
“Em contato com as artes e artistas de Mato Grosso, não tem como não se encantar com os trabalhos da Dalva, os traços, as cores e a leveza, isso em um primeiro momento. No segundo momento veio o convívio, aí passei a admirá-la ainda mais, dada a sua sensibilidade e preocupação com os amigos que a cercam. Como bem retratou a professora Aline Figueiredo, ‘Dalva representa muito não só para a arte de Mato Grosso, mas para a brasileira também, tanto pela qualidade plástica, quanto pelo seu valor iconográfico’”, acrescenta Murillo.
Murillo Espinola avalia o trabalho de Dalva como de suma importância, “pois dada sua maestria tanto na técnica quanto na didática, dado o jeito simples e cativante de ser, ajudou muito nossa arte e nossos artistas. E hoje devemos muito a ela”. Para ele, é muito justa a homenagem, devido à grande contribuição para as artes plásticas mato-grossense e brasileira, “tanto pela sua obra propriamente dita quanto pela sua relevância na formação de outros e grandes artistas da nossa terra, como Gervane de Paula e os saudosos Adir Sodré e Benedito Nunes, dentre muitos outros, primeiro no Palácio da Instrução e depois no Ateliê da UFMT”.
Além da grande importância da obra da Dalva para as artes plásticas brasileiras, “pois não é fácil ser reconhecida como ela é, fazendo arte, nos rincões do país, longe dos grandes centros”, Murillo destaca também que ela “é uma figura humana esplêndida”, pois sempre está a postos e pronta para ajudar todas as pessoas que estão próximas. “Para mim é uma grande honra poder conviver com a obra e a grande mestra Dalva de Barros. Mais do que justa, é uma dívida que todos nós temos com ela”, finalizou.
Depoimento de um querido amigo
O poeta cuiabano Nicolas Behr, hoje estabelecido em Brasília, não é exatamente um colecionador de Dalva de Barros, já que possui pouquíssimas obras da artista plástica. É um amigo querido dela, com memórias atávicas da menina-moça que orbitou sua vida deste antes de ele se entender como gente. Nicolas morou, durante sua infância, em Diamantino, cidade natal de Dalva.
Confira o depoimento do Nicolas:
“A fazenda do pai de Dalva, senhor Nabor, ficava um pouco antes do Posto Gil, no município de Diamantino, onde tem a bifurcação da BR 364, uma vai para Porto Velho e a outra segue ao Norte, em direção a Santarém. No local tinha um ponto de parada de ônibus, onde paravam as jardineiras (Ti Baleia, quem lembra?) para um lanche. Minha mãe sempre me falava da Dalva com carinho, e mais tarde fui realmente saber quem era essa grande artista de Mato Grosso.
Conheci Dalva de Barros pessoalmente pelos idos de 2005, por aí. Fui à casa dela no CPA 2 e anos depois fiz uma viagem com ela e suas duas irmãs para Diamantino e região. Pedi que fizesse a ilustração da capa do meu livro Dicionário Sentimental de Diamantino. E ela o fez, fato que muito me orgulha.
Antes de conhecê-la pessoalmente, pesquisei sobre sua obra na internet e notei que ela é uma cronista que escreve com tinta e imagens. Se você observar bem, as pinturas dela são um retrato da Cuiabá raiz, com suas festas, seus personagens, suas paisagens urbanas, que ela sabe tão bem retratar. Por isso, uma cronista, sem dúvida.
Não gosto quando falam que a obra dela é primitiva nem naif. Na verdade, ela é sofisticadíssima na sua simplicidade (veja bem, o simples é muito difícil). Tudo bem que temos aí fotografias, filmagens, mas um retrato real de Cuiabá a Dalva faz como ninguém, na sua sensibilidade de mulher do povo, simples, religiosa e muito atenta a tudo que a cerca. Uma artista com o pé no chão, eu diria. Um chão cuiabano e por isso universal.”
A internet é o destino das obras
Depois de realizado o trabalho de organização das obras, o acervo será mostrado e compartilhado em uma galeria digital, na internet, com acesso gratuito a qualquer pessoa interessada, mas servirá especialmente como um incentivo para estudantes, pesquisadores, colecionadores e admiradores dessa grande artista.