Diogo Botelho
“Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob outra designação, teria igual perfume?” (Shakespeare, Romeu e Julieta).
A nação, infelizmente, alcança os 32,5 mil mortos, vítimas da pior crise sanitária e epidemiológica experimentada nos últimos 100 anos, em virtude da propagação do Coronavírus – COVID19.
Nesta apocalíptica realidade, solidariedade é a palavra que melhor expressa à faculdade ético-social de dispensarmos aos familiares enlutados, assistência moral, ajuda e compadecimento fraterno para que possam superar de forma mais amena a dor que aflige seus corações diante da partida dos seus entes queridos.
Digo que é faculdade ética porque no âmbito das liberdades individuais, não há disposição normativa jurídica que obrigue o cidadão ser solidário àquela família enlutada. Tal sentimento deve fluir do agir moral, inerente às subjetividades do cidadão, de maneira que o particular é livre para decidir ser solidário ou não, sem que isso traduza qualquer censura jurídica, mas, tão somente, censura moral.
Todavia, a solidariedade enquanto faculdade ética para cidadãos comuns, em se tratando de agentes públicos, sobretudo o presidente da República, transmuda-se para um dever jurídico, de observância obrigatória e que deve pautar a conduta do mandatário geral.
E o fundamento axiológico que impõe esse dever decorre da necessidade de gerir a coisa pública, não a partir das convicções pessoais daquele que exerce o Poder, mas, sim, da Lei, enquanto expressão da vontade popular. É um fundamento nuclear de nossa organização estatal, afinal, se o conceito e a ideia de República significa coisa pública, essa forma de governo deve estar submetida ao império da Lei.
Neste contexto, a Constituição Federal, Lei maior, documento solene e formal o qual o presidente da República prestou juramento, impôs dentre diversos objetivos, o dever de buscar por meio de políticas e agir público a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I). Consequentemente, deflui deste objetivo de matiz constitucional o dever jurídico de o presidente da República pautar a sua conduta e comportamento com vistas a dispensar as mais de 32,5 mil famílias enlutadas pelo Covid19 toda a solidariedade. É dever e não faculdade ser solidário e condolente com a tragédia nacional. Não se trata de uma regra de etiqueta, cuida-se de uma obrigação pública.
A vergonhosa omissão do Governo Federal em não declarar luto e colocar a bandeira nacional a meio mastro para solidarizar com a morte de mais de 32,5 mil pessoas; os passeios públicos desnecessários, o cavalgar perante os simpatizantes do presidente, o rosário de ofensas desferidas ao banalizar a dor alheia dizendo que tudo não passa de uma “gripezinha”, que não é coveiro e, pasmem, o deboche perante a opinião pública ao dizer que iria realizar um churrasco no auge do isolamento social, são exemplos de condutas incompatíveis com o preceito ético-jurídico do dever de solidariedade.
Longe de realizar um juízo moral acerca do comportamento presidencial, a toda evidência, além da sua insensibilidade, tais comportamentos demonstram o descumprimento do dever ético-jurídico de sê-lo fio condutor responsável por elevar e aperfeiçoar o sentimento de solidariedade cívica da Nação, obrigação inerente ao cargo e função que ocupa ditada pela Constituição.
Jair M. Bolsonaro, uma vez eleito pela vontade popular e tendo prestado juramento a Constituição, deveria abandonar as suas vontades pessoais, pois o cargo que ocupa, temporariamente, não lhe permite exercer a faculdade de dar às favas a tragédia nacional, pelo contrário. A liturgia do cargo lhe impõe o dever de prestar solidariedade, o dever de prestar assistência moral a todas as famílias enlutadas.
Não há margem na República para imprimir no trato público convicções pessoais. Administrar é aplicar a Lei de ofício. É cumprir rigorosamente os mandamentos destinados ao alcance dos objetivos constitucionais, sobretudo o da solidariedade, um simples nome que melhor designa o sentimento necessário, urgente e fundamental para que não nos tornemos uma sociedade de coisificados, mecanizados, robóticos e insensíveis.
Ao particular, a solidariedade é faculdade, entretanto, ao dignitário do poder, ser solidário, é dever.
* Diogo Botelho é advogado